Destacar o ato espontâneo: arquitetura itinerante

13 de fevereiro de 2024 Off Por ExecutivaForte

Camilla Ghisleni é Arquiteta e Urbanista, formada pela Universidade Federal de Santa Catarina e Mestre em Urbanismo, Cultura e História da Cidade pela mesma universidade. Esse texto é fruto de uma pesquisa que está sendo desenvolvida em parceria com o Prof. Dr. Rodrigo Almeida Bastos da Universidade Federal de Santa Catarina. A empresa de arquitetura da Eslovênia, Nice Architects, comercializa a sua criação chamada “Ecocapsula”. Seu formato oval otimiza a coleta da água da chuva e próprio orvalho que, depois de filtrada, pode ser utilizada pelos habitantes, além disso, sua energia é gerada pelo sol e pelo vento. Entretanto, ser potencialmente sustentável não é a sua única vantagem, os fabricantes garantem que ela pode ser facilmente transportada – em contêiner ou até mesmo uma camionete – e instalada em qualquer lugar do planeta. Para quem não se contentar em montar sua casa portátil em solos terráqueos, a agência multi-planetária AI SpaceFactory desenvolveu esse protótipo feito com impressora 3D especialmente para ser instalado na superfície marciana.

Crianças brincando e através da folhagem, você pode ver um veículo leve sobre trilhos passando silenciosamente. Espaços comerciais e uma enorme de variedade de serviços animando o espaço da rua pela qual você caminha tranquilamente. Jovens se reunem nos cafés e espaços de coworking, passeando pra lá e pra cá com seus laptops prateados em baixo do braço.

Em alguns casos, é menos sobre os edifícios individuais que definem nosso tempo e mais sobre os grupos unificados de arquitetos que promovem as ideias por trás deles no mundo dominante. A arquitetura se reinventou com tanta frequência que, no momento em que um estilo ganha força, parece quase desaparecer sob as críticas de outro que afirma ter descoberto qual deveria ser o próximo estilo. É difícil ser um arquiteto que não enfrenta a competição do tempo que obriga os maiores nomes a pisar na água em uma onda recursiva que nunca para de quebrar. No que tange à distribuição da população e sua espacialidade, nota-se um esforço grande por parte dos estudiosos para acompanhar esta sociedade que vive em constante movimento, em todos os sentidos. Desde os estudos migratórios, passando pela produção e organização espacial das cidades e regiões, a mobilidade adquire um papel central nos estudos populacionais, tornando-se um fenômeno à parte para ser pensado e analisado.

Percursos urbanos da Manchester mineira do código de obras de 1938 ao plano diretor de 2018

Urban Age, quando a substituição da casa e do espaço de trabalho pela plenitude da cidade como locus protagonista da vida humana altera completamente a relação da humanidade com o seu meio. Como diz Joaquim Guedes (1981), […] a Arquitetura é plantas de casas terreno 10×30 com piscina a arte de construir para atender às necessidades sociais e daí devem emergir linguagens e significados que fazem dela a arte que é. Agora, se pergunte se nesta imagem há espaço para um trabalhador da construção civil ou um operário de fábrica.

Arquitetura Nômade: Flexibilidade e Mobilidade para uma Sociedade em Movimento

De um lado, a velocidade exorbitante representada pela rápida propagação por minuto, pela transcendência de fronteiras, pelo alastramento por todos os continentes, pela multiplicação desenfreada. De outro, o intacto, o imóvel, o claustro doméstico, o isolamento e a reclusão na tentativa de evitar qualquer movimento brusco, na supressão do ímpeto, no controle do ambiente. Conhecimento, arte, expressão, testemunho, instrumento, profissão, a Arquitetura possui muitas faces que possibilitam um sem número de definições. As transições do material ao imaterial, do particular ao coletivo, elevam sua complexidade e, proporcionalmente, a riqueza do debate sobre o tema. Talvez por isso o arquiteto francês Jean Pierre Épron tenha vaticinado, uma definição de arquitetura é sempre provisória. Toda ação e produção humana, a organização de seus espaços do viver, suas relações com o meio e com o ambiente, as cadeias produtivas, suas expressões artísticas sensíveis e imateriais e, acima de tudo, suas relações consigo mesma, enfim, tudo a alimenta e retroalimenta e define seus caminhos.

Cidades Médias e Pequenas: Reflexões sobre Dinâmicas Espaciais Contemporâneas

Apesar de, para alguns, esse formato parecer estranho e distante, ninguém pode se dizer totalmente alheio a essas estruturas. Somos nômades por essência no mundo globalizado, nossas referências, nossas atitudes, nossas existências parasitam por lugares e situações diferentes – física ou digitalmente. Este modelo não está, portanto, a margem de nós mesmos, mas sim, representa uma forma de antecipar o habitar no mundo hiperglobalizado questionando os limites do público e do privado e trazendo à tona a potencialidade da liberdade espacial, mesmo em tempos de pandemia e isolamento.

Destacar o ato espontâneo: arquitetura itinerante

Para compreender o real significado da arquitetura itinerante é preciso lembrar que ser “itinerante” significar ir de um lugar a outro sem permanecer fixo em nenhum deles. Ao situar propostas sobre um determinado território, cria-se uma nova oportunidade de abranger zonas não contempladas, e por sua vez, potencializar, dar valor e sentido à palavra itinerante, configurando, assim, um tipo de arquitetura que se movimenta. Este equilíbrio plantas de casa 10×30 frágil entre vontade x necessidade que move as escolhas individuais é um dos pontos de nossa conversa, que procura explorar os aspectos socioespaciais que estruturam as condições de vida dos personagens, nos ambientes em que estes habitam. Seja no interior dos seus carros, nos lugares de trabalho, ou nos estacionamentos públicos, que viabilizam o morar temporário com infraestrutura disponível para apenas o essencial.

A pujança e o deleite pelo movimento nos fazem, agora, enfrentar a dificuldade de nos mantermos estáticos em meio a uma pandemia que obriga o isolamento e supressão dos deslocamentos. Neste sentido, fomentado por tal situação, um formato específico de arquitetura vem sendo revisitado. As estruturas portáteis ou nômades surgem neste contexto como uma possibilidade de nos deslocarmos sem, de fato, sair de casa. Em se tratando da situação atual, na qual pairamos sobre as incertezas de um futuro que, provavelmente, requererá mudanças drásticas, a ideia de se deslocar pelo mundo em sua própria – e higienizada – casa traz alento e descontração, necessários para sobrevivermos psicologicamente sãos aos tempos atuais. Neste sentido, os exemplos apresentados aqui são hipóteses ou sugestões que, além materializar este fetiche do nomadismo, nos tempos atuais representam também uma solução para nutrir nosso deleite pela vacância em escala global. Iñaki Ábalos, arquiteto espanhol, vai além do próprio significado estrutural e arquitetônico de tais formatos afirmando que, em termos sociológicos, essa peculiar forma é convencionalmente descrita como um aumento da mobilidade e, paralelamente, como uma diminuição da importância da família e da razão doméstica.

Neste projeto pouco conhecido Toyo Ito investiga a conduta nômade trazendo como personagem principal para sua narrativa uma jovem mulher. As instalações Pao 1, 1985 e Pao 2, 1989 – ainda contemporâneas – são habitadas pela “mulher independente, ociosa e consumista, um sujeito em si mesmo banal, mas que, com sua mera presença — parasitária —, coloca em questão a trama social japonesa, altamente hierarquizada, sexista e tradicional”. Dentro do tênue envoltório que separa a vida pública da privada, são abrigados apenas os elementos básicos para existência da mulher os quais se afastam da concepção tradicional do funcionalismo doméstico, representando o mais inerente da sua vivência diária (toucador, mesa de telecomunicações e cadeira de descanso). Por meio deste modelo, Toyo Ito percorre diferentes pontos de reflexão, desde a inserção das estruturas nômades nas cidades consolidadas, até o perfil deste novo habitante, reforçando a necessidade de se revisitar conceitos tradicionais relacionados ao homem e seu habitat urbano. No capítulo 1 foi descrita a trajetória que a autora precisou percorrer para alcançar o foco de pesquisa e proporcionar ao leitor um panorama do que a obra se trata. Mais especificamente, no primeiro capítulo as análises buscaram compreender os significados da flexibilidade.